Seguidores

sábado, 6 de agosto de 2011

BRASIL: CAMPEÃO NO USO DE AGROTÓXICOS


A notícia sobre a contaminação por agrotóxico caiu como uma bomba sobre os 40 mil moradores de Lucas de Rio Verde (MT). A 350 quilômetros de Cuiabá, com um dos melhores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, a cidade, de apenas 22 anos, cresceu e enriqueceu com o agronegócio e se orgulha de pertencer à cúpula dos maiores produtores brasileiros de soja e milho. Em março passado, a surpresa: saiu o resultado do teste do leite materno, que deveria ser o mais genuíno dos alimentos servidos aos humanos. Um ano antes, num posto de saúde local, 62 mães doaram amostras. Todas as provas, sem exceção, apresentaram algum tipo de veneno – até mesmo um derivado do DDT, banido no Brasil em1985 pelo alto grau de toxicidade. A investigação sobre o aleitamento, feita por pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), é parte de um estudo bem mais amplo, no estado e em Goiás, sobre as ameaças à saúde associadas aos defensivos agrícolas. O capítulo de Lucas do Rio Verde começou depois de um acidente em fevereiro de 2006: um avião que pulverizava as lavouras deixou uma nuvem de veneno no ar, queimando chácaras, hortaliças e atingindo nascentes. O método aéreo, muito comum no Brasil, é proibido na União Europeia, porque o vento pode espalhar a química sobre animais e populações vizinhas. Em Lucas, no primeiro momento, causou um surto de vômito e diarreia.



Sinal vermelho

A Anvisa encontrou alimentos com defensivos em excesso. Os mais comprometidos:

80% - Pimentão
56,4% - Uva
54,8% - Pepino
50,8% - Morango
44,2% - Couve
44,1% - Abacaxi
38,8% - Mamão
32,6% - Tomate
27,2% - Arroz
24,8% - Cenoura


De olho no futuro

Antonella, 1 ano e 3 meses, ainda mama no peito da professora gaúcha Claudimara Andreola Rubin, 42 anos, uma das 62 mães que tiveram o leite analisado. Mesmo preocupada com o resultado, ela decidiu continuar amamentando a filha, que não apresentou nenhum sintoma. O pediatra Jaime Floriano confirmou que a criança é saudável. Ele nunca viu os dados do estudo, mas afirma: “Só dá para saber se realmente há malefícios acompanhando essas crianças durante anos”. A bióloga Danielly Palma, autora da pesquisa de mestrado da UFMT, explica que “a gravidade está na própria contaminação, uma vez que o leite deveria ser totalmente puro”. O médico e professor Wagner Pignati, que coordena esse estudo, consegue extrapolar os efeitos de um acidente como o de 2006 para a vida de cada uma de nós – e das nossas famílias. Os agrotóxicos estão presentes na nossa rotina e sonhar com uma dieta livre deles é utopia. A questão, para ele, é a carga cumulativa. “Uma pessoa exposta à toxicidade excessiva por meses e anos pode sofrer diminuição na acuidade visual ou auditiva, distúrbios neurológicos e até desenvolver câncer ou doença de Parkinson”, diz. O sistema endócrino enfrentaria panes, alterações na insulina ou nos hormônios da tireoide. Pignati lembra que a contaminação de uma grávida pode aumentar a probabilidade de aborto. “Há ainda a possibilidade de o tóxico passar via placenta e causar má-formação fetal.”

A torcida é para que Antonella e as outras crianças nunca apresentem sintomas. Mas a investigação é necessária. Os resultados obrigam o país a repensar a agricultura que desenvolve. É verdade que, com as práticas modernas, o Brasil se tornou competitivo no mundo. Profundamente inquietante, porém, é constatar que oferecemos às nossas crianças uma comida que não sabemos bem o que carrega. Quanto de pesticida está embutido no morango, no tomate ou na cenoura? Produzimos anualmente 150 milhões de grãos, o suficiente para alimentar a população local e exportar, afirma Luís Eduardo Pacifici Rangel, coordenadorgeral de Registro de Agrotóxicos e Afins do Ministério da Agricultura. A revolução verde, nos anos 1960, trouxe a modernização e o aumento da produção, com a introdução dos insumos químicos. A partir daí, o setor passou a defender os agrotóxicos. Os motivos: eles reduzem os custos de mão de obra e melhoram a qualidade dos produtos. Isso deu ao país o troféu de campeão mundial no uso de defensivos químicos (em números absolutos), o que se repetiu três vezes nos últimos anos, superando os Estados Unidos. Incômodo campeonato. Nas contas do sindicato que reúne os produtores de defensivos, só em 2009 consumimos 1 bilhão de litros. Pronunciar agrotóxico é o mesmo que dizer fungicidas, inseticidas, herbicidas e outros venenos. O Brasil tem legislação que estabelece a quantidade e a forma de aplicação. Se ela fosse rigorosamente seguida, os alimentos teriam apenas resquícios dessas substâncias, que, para especialistas, não afetariam a saúde.

Com o uso contínuo, algumas pragas se tornaram muito resistentes a essas substâncias. Como acontece com os antibióticos, elas vão perdendo a eficácia quando aplicadas constantemente. Diante da resistência redobrada de insetos e pestes, os fazendeiros andam carregando a mão nas doses de veneno. O duro é que o morango comprado na feira não vem com bula que explica os efeitos adversos e os males a que ficamos expostas se a fruta tem agrotóxicos demais. Não adianta evitar o morango, porque a química chega ao organismo por vários caminhos. Um exemplo: a soja, transgênica ou não, é uma cultura muito tratada com defensivos. Responsável pela metade da produção agrícola brasileira, entra em 70% dos alimentos processados. Nem o lombi nho assado está livre dos resíduos de agrotóxicos: o porco de granja se alimenta de ração, e ela é feita de soja.


Fiscalização frágil:

A inspeção dos alimentos é tarefa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Funciona assim: uma equipe recolhe amostras em supermercados e feiras em 26 estados e envia para laboratórios. No ano passado, a agência divulgou que 29% dos 20 itens, num total de 3 130 amostras coletadas em 2009, apresentaram irregularidades, como resíduos de agrotóxicos acima do permitido (veja “Sinal vermelho”). Segundo a Anvisa, 15% da nossa comida tem taxa de veneno prejudicial. Os maiores riscos estão nos contaminados por endossulfan (usado em lavouras de pimentão e pepino), seguidos por acefato (cebola e cenoura) e metamidofós (comum na plantação de tomate e alface). Essas três substâncias, banidas há uma década nos Estados Unidos e na União Europeia, integram a lista dos 14 agrotóxicos que estão sendo reavaliados pela Anvisa. O endossulfan, que causaria câncer e má-formação fetal, figura entre os cinco que serão proibidos no Brasil em dois anos, de acordo com a agência. Até lá, uma das possibilidades de se proteger é mexer na dieta. O problema não é comer apenas um alimento com defensivos em excesso, mas vários numa mesma refeição. Outra saída é espaçar os ingredientes. Pepino e pimentão, entre os mais suscetíveis à contaminação, devem voltar à mesa a cada 30 dias.

Já o controle do uso de defensivos cabe aos ministérios da Saúde, da Agricultura, da Pecuária e Abastecimento e do Meio Ambiente. Esses órgãos recebem dos estados e municípios comunicados sobre o que se passa nas lavouras. O caso de Lucas do Rio Verde, dizem as assessorias dos dois primeiros ministérios, não foi notificado oficialmente. Eles souberam pela mídia.

Luís Rangel alega que no Brasil o mau uso dos defensivos é frequente. O Censo Agropecuário do IBGE concluiu, em 2006, que, do total de 1,5 milhão de produtores que se valem dos defensivos químicos, 56% não receberam nenhuma orientação técnica. “Temos mais de 800 mil agricultores de pequeno e médio porte e é impossível acompanhar todos eles”, afirma. Um agricultor pode adotar equipamento de proteção individual e estar a salvo, mas, se despejar agrotóxico a menos de 500 metros de um córrego, coloca em risco a região.

Durante 15 anos, a agricultora Rosiele Cristiane Ludtke, 33 anos, cultivou com a família 33 mil pés de fumo na terra que mantêm em Paraíso do Sul, a 220 quilômetros de Porto Alegre. Em 2008, quando colheram o fumo úmido e venderam para uma grande empresa, Rosiele foi internada com muita dor de cabeça, náusea e vômito. “No hospital, disseram que eu estava intoxicada”, conta. A irmã dela, Lívia, permaneceu três dias hospitalizada. Hoje, Rosiele planta milho, feijão, batata, cebola e alho sem agrotóxicos. “Ganho menos, porque a produção é menor, mas vivo com mais saúde”, afirma. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em 2009 foram 3 813 casos de intoxicação e 115 mortes por contaminação com agrotóxicos. De cada 100 casos, três são letais. “É a maior le ta lidade entre os agentes tóxicos”, diz Rosany Bochner, que coordena o sistema de informações tóxico-farmacológicas da Fiocruz. Ela explica que os agrotóxicos são sistêmicos – ou seja, entram pela seiva da planta – ou de contato, que se fixam na parte externa. “No primeiro caso, a lavagem não tira a química, porque ela foi absorvida.” O médico Ângelo Trapé, professor de saúde ambiental da Unicamp, diz que com o de contato é diferente: “Lavar os alimentos basta”.



O que vai matar a fome?

O Brasil teria condição de migrar para grandes plantações agroecológicas no médio prazo? “Precisamos encontrar ferramentas que ofereçam à agricultura um ganho, sem impactos severos na saúde e no ambiente”, diz Luís Rangel. O Ministério da Agricultura está incentivando a adoção de defensivos biológicos, originados de organismos vivos ou de matéria-prima de fermentação. O país usava 1% de biodefensivos em 2001, chegou a 3% no ano passado e tem como meta atingir 5% em 2015. A ação ainda é tímida. “Algumas multinacionais que fabricam agrotóxicos já entenderam que não ganharão a briga e que é melhor aderir ao programa”, afirma.

O planeta está polarizado entre o agronegócio e a agroecologia. O x da questão é que a lavoura orgânica, sem química alguma, tem produtividade 40% menor e seus frutos ficam 30% mais caros. O que faríamos com a fome do mundo? Jacques Diouf, diretor-geral da FAO (a agência da ONU para a agricultura), afirma que até 2050 será necessário aumentar em 70% a produção mundial de alimentos para abastecer a população, que chegará a 9 bilhões de pessoas. A transição para uma agricultura menos ofensiva ainda vai demorar várias décadas. Portanto, a caminhada promete ser longa.



Xô, veneno:

ESCOLHA produtos locais. Os importados recebem mais produtos químicos para suportar a viagem.

PREFIRA os da época. As frutas só sobrevivem além da estação se receberem carga extra de agrotóxicos.

FECHE os olhos para a beleza. Legumes e frutas grandes e fotogênicos são obra de defensivos agrícolas e fertilizantes químicos.

LAVE com esponja e água corrente. Parte dos venenos sai com a higienização. Os que entraram pela seiva, porém, permanecem.

DESCASQUE os alimentos.

DAQUI.



Nenhum comentário:

Related Posts with Thumbnails

Clique na imagem e...